Sob tema “Pássaros que andam”, Brasil apresenta a mostra “Ka’a Pûera: nós somos”
O Pavilhão Hãhãwpuá narra uma história da resistência indígena no Brasil, a força do corpo presente nas retomadas de território e as adaptações frente às urgências climáticas”, afirmam os curadores. Simbolizando o Brasil como território indígena, com Hãhãw significando “terra” na língua patxohã, o nome Hãhãwpuá é usado pelos Pataxó para se referirem ao território que, depois da colonização, ficou conhecido como Brasil, mas que já teve, e tem, muitos outros nomes.
Glicéria Tupinambá, artista já anunciada, trabalha com a Comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro e Olivença, na Bahia, para a realização de suas obras. Compõem também o Pavilhão obras dos artistas Olinda Tupinambá e Ziel Karapotó. “A mostra reúne a Comunidade Tupinambá e artistas pertencentes a povos do litoral – os primeiros a serem transformados em estrangeiros no seu próprio Hãhãw (território ancestral) – a fim de expressar uma outra perspectiva sobre o amplo território onde vivem mais de trezentos povos indígenas (Hãhãwpuá).
Os Tupinambá eram considerados extintos até o ano de 2001, quando finalmente o Estado Brasileiro reconheceu que esse povo não só nunca havia sido exterminado, como está ativo na luta para reaver seu território e parte de sua cultura que fora retirada pela colonização. “A exposição é realizada no ano em que um dos mantos tupinambá retorna ao Brasil depois de um longo período no exílio europeu, onde estava desde 1699 como um preso político. A vestimenta atravessa tempos e atualiza as problemáticas da colonização, enquanto os Tupinambá e outros povos continuam suas lutas anticoloniais em seus territórios – como Ka’a Pûera, pássaros que andam sobre florestas que ressurgem”, completam os curadores.
Resgate Histórico
As obras de Glicéria Tupinambá convocam os mantos de seu povo para formar a instalação Okará Assojaba (assembleia da sociedade Tupinambá, cujo objetivo é criar um conselho de escuta onde se reúnem os líderes que são portadores dos mantos: as mulheres, os pajés e os caciques). A instalação faz essa referência ao trazer um manto produzido por Glicéria de modo coletivo com sua família e a Comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro, acompanhado por mantos/tarrafas (redes de pesca). A instalação ainda é composta por onze cartas escritas por Glicéria, assinadas em conjunto com a Associação dos Índios Tupinambá da Serra do Padeiro e enviadas aos museus que possuem esses mantos e outras partes de sua cultura em seus acervos.
Em Dobra do tempo infinito, uma videoinstalação com sementes, terra, redes de arrasto e jererés, Glicéria cria conexões entre as tramas das redes de pesca e a dos trajes tradicionais. Segundo o pensamento desse povo, os cruzamentos dos pontos das redes de pesca e das vestes também conectam os tempos: aquele que é tradicional e o presente. Na obra, a artista nos convida a conhecer os mestres da sua comunidade e a dialogar com os jovens, somando mais pontos nessa dobra temporal.
Com a videoinstalação Equilíbrio, Olinda Tupinambá, por sua vez, amplia a voz de Kaapora – entidade espiritual vigilante da nossa relação com o planeta e que também dá nome ao projeto de ativismo ambiental conduzido por ela na Terra Indígena Caramuru. A obra apresenta um retrato da condição humana na Terra e uma discussão crítica da relação destrutiva da civilização com o planeta do qual depende. Cuidar desse planeta, interagindo de forma respeitosa com os outros seres vivos, é a única forma de nos tornarmos realmente civilizados.
Ziel Karapotó, por fim, confronta processos coloniais em Cardume, uma instalação que une, com uma rede de tarrafa, maracás de cabaça e réplicas de projéteis balísticos, envolvidos por uma paisagem sonora com sons de rios e torés (cantos tradicionais do povo Karapotó), que se misturam a sons de disparos de armas de fogo. A criação evoca a luta pelos territórios frente aos processos de genocídio que se atualizam nos últimos 523 anos, mas, sobretudo, reforça a resistência indígena por meio da vida: os torés afirmam a espiritualidade; a rede de pesca representa as correntezas dos rios, mares e a fartura de peixes; e, finalmente, o maracá conecta os povos indígenas à terra onde vivem.
Créditos: https://harpersbazaar.uol.com.br/cultura/bienal-de-veneza-pavilhao-brasileiro-destaca-resistencia-dos-povos-originarios/#gallery=1&slide=2